“A fé é o fundamento da esperança, a certeza daquilo que não se vê.” Hb 11,1
Logo na primeira pergunta do livro dos espíritos, os leitores se deparam com um dos questionamentos mais procurados pelo homem moderno: que é Deus? Uma rápida e apertada analise histórica faz-se necessária para compreendermos por que a resposta a essa pergunta é tão procurada. A compreensão do que é Deus depende do exercício de nossa humildade e da confiança em nos sentidos além de nossa razão.
A idéia intuitiva da existência de um ser superior ao humano está presente em todos os povos conhecidos, desde os silvícolas e os aglomerados mais selvagens de nossa espécie, passando pelos Maias, Incas, Egípcios, Gregos, Romanos, Índicos, Orientais até chegar aos povos atuais, em que o individualismo e o cepticismo em níveis nunca relatados, não foram capazes de abalar a certeza da existência de um ser superior, acima dos homens.
Deus sempre andou junto ao desconhecido, desde a época em que Ele era confundido com os trovões, onde estava relacionado aos eventos naturais, onde eram-Lhe oferecidos vidas humanas e animais em sacrifício para agradá-Lo, cultura que encontra eco em algumas religiões, que ainda guardam semelhanças com esse estágio de compreensão de Deus. Por conseguinte, os deuses, pois nesse tempo ainda não tinha vingado a idéia de um Deus único, eram comumente relacionados à figura humana, observado com evidência nas Civilizações Clássicas, em que se destaca a Mitologia Grega, e a explicação das coisas pelos deuses que conservavam características, defeitos e virtudes humanas. Enfim, o monoteísmo sobrepõe o politeísmo, prevalecendo a idéia de um só Deus que encerra em si todo o poder, o que convinha aos anseios filosóficos e políticos do tempo de Moisés, figura imprescindível na primeira revelação.
Porém, o Deus único surgido no tempo de Moisés, se configurava como um Deus parcial, que escolheu um povo entre todos existentes para proteger. Se configurava, como um Deus poderoso, rígido, impiedoso e implacável, e esses traços característicos de Deus duram todo o velho testamento, sofrendo mudanças apenas com a chegada da 2º revelação, trazida por Jesus.
Jesus nos falou de um Deus diferente, nos relatou, em suas palavras, um Deus de amor. Um Deus compreensível, sábio, justo, bom, que trata todos os seus filhos igualmente com liberdade e que não cobra deles aquilo que não seja de Deus, guardando a César aquilo que é de César, mas, o homem não concordou plenamente com essa idéia cristã, e por si, resolveu fazer algumas mudanças nessa idéia de Deus, como pode ser facilmente observado na idéia do Deus predominante nas igrejas de nosso tempo.
A modernidade com sua ânsia por respostas racionais e científicas para tudo, não perdoou o questionamento á idéia de Deus, alguns O mataram, como Nietzsche, outros O relegaram a um mal social, fundamento de uma ilusão com objetivos alienadores, como Marx, certo é que ambos os pensadores, como muitos outros pensadores modernos, concentram suas criticas não a Deus, mas às religiões conhecidas. O ateísmo não se preocupando em separar o joio do trigo, faz uma analise superficial da existência de Deus, devido às amarras dogmáticas com que a figura de Deus se apresentava nos livros sagrados.
O nosso objetivo aqui é exatamente o contrário, partimos de uma análise isenta de dogmas e preconceitos para refletirmos sobre a resposta oferecida pelos espíritos na primeira questão de O Livro dos Espíritos: “o que é Deus?”.
Pela primeira vez, até então, alguém questionou a forma de que Deus é constituído, depois da afirmação bíblica de que Deus nos criou à sua imagem e semelhança(1), não havia dúvida de que Deus tinha forma humana, incompatível, como sabemos, com a sua universalidade, pois a nossa forma perispiritual se molda de acordo o mundo que habitamos(2). Kardec pergunta que é Deus, não presumindo ele, que Deus seja um homem, como poderia parecer ao perguntar “quem é Deus?” e por outro lado revela sua intenção de imparcialidade científica ao tratar sobre o tema, indo de encontro aos pressupostos religiosos que vigiam até então.
“Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas”, essa é a resposta impressa em O Livro dos Espíritos, relativo à supracitada pergunta de Kardec. Deus não é só criador, mas é a causa primeira de TODAS as coisas, Deus é o ponto inicial e a essência de tudo que existe. Deus é a alavanca inicial que inicia a vida. E, em sua inteligência suprema é o arquiteto do universo.
Kardec não iniciou O Livro dos Espíritos, perguntando se Deus existe, ora por quê? Não seria essa a pergunta precedentemente lógica ao questionamento sobre Deus? É um questionamento que sugere aos leitores a reflexão. Contudo, imaginemos Kardec às portas do mundo invisível, diante da revolução existencial proveniente do contato com os espíritos, da constatação da existência de uma forma de vida inteligente extra matéria. Os princípios materialistas que vislumbravam todas as explicações da vida caíram por terra, existia vida inteligente fora do material, logo, a sua criação não se dá no momento da fecundação, o que o levou a crer que algo diferente pode proporcionar a vida. Se não é o homem que cria os espíritos, há de ser um Deus.
Porém, os espíritos confirmam que Deus não só cria os espíritos, no sentido de que é a sua causa primeira, mas tudo foi criado a partir Dele.
A lógica nos abraça. Não aceitar um criador inicial inteligente para o universo é como imaginar que Os Lusíadas(3) formou-se sozinho pela aglutinação de partículas que coincidentemente e por acaso formou um texto coeso, coerente, belo e encantador. Ou, vão dizer que criar um universo por acaso é mais fácil que criar por acaso uma obra literária? Aceitar que há forças superiores às humanas e conhecimentos momentaneamente inalcançáveis é um exercício de humildade, e confiar na existência de Deus é uma prova de fé, que precede todas as outras formas de fé.
Dauney Oliveira
(1) Ver: Bíblia, Gênesis 1:26 e 27.
(2) Ver: Kardec, Allan. Livro dos Espíritos, livro II, cap. I.
(3) Obra literária, em versos, do autor português, Luís Vaz de Camões.